No Brasil, a base do quadro legal
relativo ao meio-ambiente está representada no Art. 225 da Constituição
Federal, inserido no Título específico “Da Ordem Econômica”. Este artigo exerce
o papel de principal norteador dos aspectos legais relativos ao meio ambiente e
regula um complexo teor de direitos, mensurado pela obrigação do Estado e da
Sociedade na garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo que deve ser preservado e mantido para as presentes e futuras
gerações.
O Estado Nacional também define
políticas públicas específicas para a gestão de bens ambientais, com destaque
para a água. No âmbito da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), o
legislador se preocupou em criar modalidades diferentes de participação social
por meio de organizações civis, englobando tanto associações locais de usuários
diretos de recursos hídricos, tais como pescadores ou populações ribeirinhas,
quanto organizações com interesse científico, participantes do sistema,
incluindo também um conceito de “organizações não-governamentais com objetivos
de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade” , ou seja, não apenas
organizações com área de atuação específica ou limitada às questões atinentes
aos recursos hídricos participam do sistema. Os Comitês de Bacia – verdadeiros
parlamentos da água - passam a ser fóruns importantes para a formulação e
gestão moderna das políticas e ações voltadas a garantir a sustentabilidade do
desenvolvimento, e especialmente do manejo sustentável e conservação dos
recursos hídricos, em cotejo com a gestão ambiental .
Segundo documento do Ministério
do Meio Ambiente:
O principal impacto dessa nova
abordagem no Brasil, foi a de reorientar gradualmente a gestão ambiental de uma
posição baseada no ‘comando e controle’, ou de exercício de poder de polícia do
Estado sobre a utilização dos recursos naturais, para uma postura de gestão
econômica dos recursos ambientais. (BRASIL, 2001).
Este documento evidencia a
presença atual dos conceitos de governança, compreendida nos seus fundamentos
legais e econômicos, em oposição ao sistema centralizador até então
predominante nas políticas ambientais, ditas de comando e controle.
A nova gestão ambiental foi
concebida para o estabelecimento conjunto com a sociedade de normas para a
gestão dos recursos e controle de danos ao meio-ambiente, criando as bases de
uma governança pública ambiental.
A gestão passou a ser o operador
conceitual através do qual se confrontam os objetivos de desenvolvimento
econômico e de organização territorial, bem como aqueles relacionados à
conservação da natureza ou à manutenção ou recuperação da qualidade ambiental.
(MACHADO, 2003, p. 24).
Os usos da água, entretanto, envolvem
uma interação conflituosa entre um conjunto significativo de interesses sociais
diversos.
Com a recente promulgação da Lei
Federal nº 11.445, em 05 de janeiro de 2007 (LDBSN), estabeleceram-se no Brasil
as diretrizes nacionais para o saneamento básico trazendo consigo novo marco
regulatório para o setor. A mesma lei define o âmbito da aplicação no
saneamento brasileiro da seguinte forma:
Art. 3º
Para os efeitos desta Lei,
Considera-se:
I –
saneamento básico: conjunto de serviços, infra-estruturas e instalações
operacionais de:
a)
abastecimento de água potável;
b)
esgotamento sanitário;
c)
limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos;
d)
drenagem e manejo das águas pluviais urbanas (BRASIL, 2007).
Os serviços de saneamento básico
no Brasil, portanto,
compreendem: o abastecimento de água, o
esgotamento sanitário, a coleta de lixo e a drenagem de águas pluviais. Todos
estes serviços são essenciais à vida digna, e a qualidade da sua gestão provoca
fortes impactos na saúde da população e no meio ambiente. Sua prestação é uma
obrigação do Estado brasileiro, que pode executá-la diretamente, por agentes
públicos ou privados, mediante concessão ou permissão.
Historicamente, no período
colonial até fins do século XVIII a economia brasileira foi condicionada à exploração
intensiva de recursos naturais e às monoculturas com mão-de-obra escrava,
caracterizada por sucessivos ciclos mercantis (pau-brasil, açúcar, ouro,
borracha e café) e as condições institucionais de povoamento do país deram-se
sempre em função da proximidade de boas fontes de água, que serviam tanto para
o abastecimento da população, como para o despejo de dejetos de toda natureza.
Sob o regime monárquico a saúde apresentava-se como uma questão de domínio
privado, familiar, local, não havendo ações empreendidas pelo governo no
sentido de proporcionar melhorias no saneamento. Já sob administração
portuguesa, a partir do século XVIII, o abastecimento público de água se fazia
através de chafarizes e fontes próprias. A captação e a distribuição da água eram
de responsabilidade de cada vila. A remoção de dejetos e de lixo era tratada de
forma individualizada pelas famílias. Com a chegada da família imperial em
1808, no Rio de Janeiro, em duas décadas a população duplicou (100.000
habitantes em 1822), aumentando as demandas por abastecimento d’água e
eliminação de resíduos.
Com a implantação da Primeira
República, tanto o comércio como os serviços de utilidade pública eram
subordinados ao capital estrangeiro, sobretudo inglês, com concessões à
iniciativa privada. Nesta época, o Rio de Janeiro foi a 5ª cidade no mundo a
adotar um sistema de coleta de esgoto modernizado, concluído em 1864. As redes
para abastecimento de água e esgotamento sanitário cobriam apenas os núcleos
centrais urbanos e atendiam pequena parcela da população, com tal situação se
prolongando até as primeiras décadas do século XX.
Ao final da 1ª Guerra Mundial, o
declínio da influência estrangeira no campo das concessões de serviços públicos
coincidiu com uma insatisfação generalizada acerca do atendimento e falta de
investimentos para ampliação das redes públicas de saneamento básico. O
problema de degradação dos corpos hídricos avançou, em relação direta com o
binômio industrialização/urbanização, bem como ao processo de desenvolvimento
político-econômico. A partir da década de 1950, o agravamento dos conflitos
sociais com o aumento da pobreza, a deterioração da qualidade de vida, a
concentração populacional e a exaustão contínua dos recursos naturais foram a
tônica do setor de saneamento. (MILARÉ, 2007)
O principal marco do saneamento
no Brasil aconteceu na década de 1970, com a criação do PLANASA (Plano Nacional
de Saneamento) e das Companhias Estaduais de Saneamento. A crise deste modelo
deu-se na década de 80, pois as fontes de financiamento esgotaram-se
acompanhando as dificuldades macroeconômicas, ao mesmo tempo em que terminaram
as carências dos empréstimos obtidos nos anos anteriores e aumentaram as
despesas de amortizações e os encargos financeiros das dívidas no país. A
ênfase anterior em construção, o uso político das companhias e o crescimento da
inflação impuseram um ônus adicional sobre os custos de operação. O Banco
Nacional de Habitação (BNH) responsável pelo financiamento do sistema de
saneamento foi extinto em 1986, passando a Caixa Econômica Federal a assumir os
antigos papéis do BNH no tocante ao financiamento do setor e a receber o
Sistema Financeiro do Saneamento. Submetida às limitações orçamentárias mais
severas, teve de reduzir sensivelmente a oferta de recursos.
A década de 1990 caracterizou-se
pela ampliação da cobertura de saneamento, sem modificação estrutural. Em 1991,
a Câmara Federal inicia os debates com a tramitação do PLC 199, o qual dispunha
sobre a Política Nacional de Saneamento e seus instrumentos. Este projeto deu
origem em 2007, à atual Lei do Saneamento, a Lei nº 11.445/2007.
Neste contexto de efetivação da
norma brasileira relativa ao saneamento, há várias dificuldades relacionadas ao
uso da água na zona urbana, geralmente comuns em outros estados nacionais:
esgotamento e contaminação de fontes locais; altos custos da captação e
condução da água; conflitos gerados pelos interesses de diferentes usuários;
desperdícios; baixa ou nenhuma utilização do reúso de água; pouca consciência e
falta de cidadania ambiental. São problemas que a gestão do saneamento deve
enfrentar, no âmbito da administração pública. Faz-se necessário ressaltar que
o uso da água corresponde à mobilização de uma determinada quantidade de água
para um certo fim.
Atualmente a demanda de água
retirada dos corpos d’água para fins de saneamento e consumo (vazão de retirada)
no país é de 1.592 m³/s, sendo que cerca de 53% deste total (841 m³/s) são
consumidos, não retornando às bacias hidrográficas. Deste total, 40% são
destinadas à irrigação; 27% são destinados para abastecimento urbano; 17% para
indústria; 13% para animal; 3% para abastecimento rural (ANA, 2007).
No
tocante aos municípios brasileiros, ou seja, a menor unidade de gestão pública,
a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) levantou dados de todos os
5.507 municípios das 27 unidades da Federação brasileira. Segundo estes dados,
para o aspecto dos serviços de saneamento relativo ao abastecimento d’água,
foram considerados os municípios que tivessem rede geral de distribuição de
água quando esta atendesse a pelo menos um distrito, ou parte dele independentemente
da extensão da rede, números de ligações ou de economias abastecidas (PNSB,
2000). Pode ser observado que há considerável oferta de serviços de saneamento,
no tocante ao abastecimento de água, mas esta realidade pode apresentar-se
desigual, caso consideremos que apenas um ponto de água existente caracteriza o
município como saneado, sem obediência concreta ao princípio da universalização
do serviço. O IBGE também dispõe de dados que revelam a condição do saneamento
no país (Quadro 1).
Esta
realidade retratada pela pesquisa, dentro do contexto mundial, ainda parece
razoável. Segundo dados do Relatório de Desenvolvimento Humano do ano de 2006,
o sofrimento pela crise mundial da água assume níveis alarmantes. O documento
mostra que:
Quase 2
milhões de crianças morrem todos os anos por falta de um copo de água limpa e
de um simples banheiro em suas casas. Fora dos domicílios, a disputa pela água
para produção se intensifica, prejudicando os menos favorecidos das áreas
rurais e o meio ambiente.
Entretanto,
a principal referência deste documento diz respeito ao fato de que a crise
mundial da água não é resultado apenas da escassez de água nos sistemas
ambientais, mas ressalta o fato de “a pobreza, o poder e as desigualdades é que
estão no âmago do problema” (PNUD, 2006). Esta afirmação se revela numa questão
institucional de fundo anti-democrático e de ausência ou precariedade nas
políticas públicas em várias regiões do planeta.
No país,
as diferenças regionais também se impõem, dada a grande abrangência territorial.
Enquanto na Região Sudeste é de 70,5% a proporção de domicílios atendidos, nas
Regiões Norte e Nordeste o serviço alcança, respectivamente, apenas 44,3% e
52,9% dos domicílios. Nos 116 municípios que não contam com qualquer rede
distribuidora de água, foram encontrados como principais alternativas para o
abastecimento das populações a utilização de chafarizes e fontes, poços
particulares e abastecimento por caminhões-pipas bem como utilização direta de
cursos de água (Quadros 2 e 3). (PNSB, 2008, p. 31)
O IBGE
informa que os dados obtidos nos órgãos públicos e privados, e companhias
responsáveis pela prestação dos serviços de saneamento, mostram que 97,9% dos
municípios oferecem água encanada, 53,2% coletam esgoto (Quadro 4), apenas
35,3% do coletado é tratado e 99,4% recolhem lixo.
REGIÕES
A
situação do saneamento reflete-se nos dados relativos à saúde, uma vez que a
água e os resíduos de várias naturezas são os principais meios condutores dos
vetores de doenças que afetam a saúde da população, em especial, de baixa
renda. (Quadro 5)
No país, portanto, com a edição
de normas recentes, à exemplo da Lei nº 11.445/07, espera-se um incremento nos
índices de satisfação pelo serviço de saneamento básico, uma vez que pela
sistemática atual, ficou instituída a obrigatoriedade de uma governança pública
na gestão de águas doces.
Fonte:: www.eumed.net